Novos media e esfera pública 
        As profecias cyber-democráticas no contexto da democracia deliberativa. 
      
        
      
      Joao Carlos Correia 
      
        
      
      2008 
      
        
      
      
        
      
      A conceitualização do termo "esfera pública" conheceu um
      desenvolvimento profícuo, recebendo contributos diversos provenientes
      da sociologia das identidades e dos movimentos sociais e dos teóricos
      da democracia deliberativa. Conheceu os favores da conjuntura
      académica, política, cultural e tecnológica. À importância da
      comunicação na vida quotidiana do século XX juntou-se a
      dramática aceleração proporcionada pela comunicação
      mediada por computador. Em todos estes eventos, a democracia pareceu
      ter o seu valor enriquecido no mercado das ideias. Tal não significa
      que o valor efectivo das suas estruturas, nomeadamente a esfera
      pública, tenha conhecido um acréscimo de valor efectivo
      directamente proporcional.
      
        
      
      Introdução: operatividade do conceito de esfera pública
      
        
      
      Existem várias conceitualizações de esfera pública que
      conheceram uma consagração importante nos estudos sobre as
      relações entre comunicação e política. A abordagem que
      mobiliza a nossa atenção é centrada na modernidade, com origem
      em Kant e estudada em perspectivas diversas por Dewey (1987) e, mais
      recentemente, por Habermas (1982; 1996); Arato e Cohen (1995) e Bohman
      (1997).
      
        
      
      Esta abordagem descreve a esfera pública como uma instância da
      vida social que implica o exercício público da racionalidade em
      torno de questões de interesse colectivo ou um domínio da vida
      social associada à formação da opinião pública.
      
        
      
      Com base numa certa idealização, fundada em motivos de natureza
      heurística e de natureza política, tal concepção de esfera
      pública implicou a sua fundamentação num modelo contrafactual e
      normativo que implicou um certo entendimento da interacção entre
      os membros do público. Tal interacção é implícita ou
      explicitamente referida como
      
        
        a) Acção comum desenvolvida e partilhada pelos membros de um grupo
        e/ou entre um medium e os membros desse grupo estruturado como um
        público; 
        b) Tendente a realizar e a concretizar os seus projectos ou apresentar
        as suas opiniões; 
        c) Passível de reagir perante os projectos e opiniões alheias; 
        d) Tendente a comunicar e expor entre si os seus argumentos; 
        e) Procurando legitimar as suas acções e enunciados ou a
        questionar a legitimidade das acções e enunciados alheios em
        função da sua maior ou menor racionalidade intrínseca.
        (Correia, 1998, 8).
      
        
      
      Comunicação e racionalidade surgem deste modo incontornavelmente
      implicadas na caracterização desta instância.
      
        
      
      Apesar da importância concedida à imprensa na formação da
      moderna publicidade crítica, a alegada dissolução do espaço
      público seria de, modo não menos explícito, atribuída à
      indústria mediática. À idealização do espaço público
      seguiu-se a narrativa do seu declínio (Habermas, 1982, 191). Entre
      os traços deste diagnóstico encontram-se a massificação
      da cultura, a substituição da esfera pública iluminada por
      consumidores passivos, a transformação da imprensa de genuína
      expressão da opinião pública em instrumento de interesses
      particulares relacionados com os 
lobbies.
      
        
      
      Primeiro, a emergência de uma esfera pública que colocou, ainda
      que em termos ideais, a hipótese de difundir o pensamento, de forma
      racional e igualitariamente repartida. Depois, a transformação
      generalizada das mensagens em mercadoria e a substituição da
      publicidade crítica (em que se fundaria o modelo de democracia
      deliberativa) pela publicidade manipulativa, na qual a formação
      de opiniões é substituída pela medição das atitudes e em
      que o nivelamento das expectativas sociais, politicas e culturais pelo
      mercado tornou possível comparar a eleição de qualquer titular
      de um órgão de soberania com a prosaica escolha de um sabonete.
      
        
      
      A este percurso veio acrescentar-se um novo estágio euforicamente
      relacionado com o aparecimento dos 
novos media e,
      consequentemente, com a repetida questão retomada de forma recorrente
      numa literatura vasta sobre o tema: será que a Internet é uma
      esfera pública que contribui para o aprofundamento da democracia
      deliberativa?
      
        
      
      Para muitos que protagonizaram tentativas de responder a esta última
      pergunta, as novas redes redimensionaram a comunicação em termos
      universais, permitindo fórmulas organizativas e comunicacionais que
      tornaram possível uma relação estreita com os públicos. Os
      debates sobre 
media interactivos, nomeadamente sobre a
      Comunicação Mediada por Computador (CMC), muitas das vezes
      emergem acompanhados por referências aos tipos ideais que orientaram
      as metáforas sobre os quais assenta a filosofia democrática: quer
      à 
agora grega, quer ao espaço público burguês e liberal.
      
        
      
      A profecia cyber-democrática
      
        
      
      Nas discussões sobre novos
 media e democracia, por exemplo,
      assumiu-se como um pressuposto a ideia genérica de que a
      democracia, em todas as suas configurações, seria um ideal nobre
      mas imperfeito cuja imperfeição seria superada pela
      comunicação. Assumindo-se tal pressuposto encetou-se uma
      discussão que incidiu, sobretudo, em decidir sobre se os novos meios,
      principalmente a Internet, podem ajudar a resolver o 
déficit
      democrático da sociedade contemporânea.
      
        
      
      Existe um número considerável de concepções concorrenciais de
      democracia. Porém, não deixa de ser significativo que o debate,
      tipicamente, em anos recentes, tenda a centrar-se numa espécie de 
continuum com a democracia participativa num dos extremos da
      escala e a democracia representativa no outro extremo (Hague e Loader ,
      1999: 5).  No limite "os evangelistas da Internet concebem-na como
      um fórum electrónico compreendendo uma vasta rede de cidadãos
      livres e iguais capazes de debaterem todas as facetas da sua
      existência sem medo de controlo por parte das autoridades soberanas
      (Hague & Loader, 1995: 6). Insiste-se num apelo a um novo paradigma
      que conduziria ao desenvolvimento de uma nova variedade de democracia,
      cujos traços seriam: a) interactividade - com todos os
      utilizadores comunicando uns com outros numa base de reciprocidade; b)
      globalidade - graças à ausência de fronteiras nacionais; c)
      liberdade de discurso e de associação; d) construção e
      disseminação de informação submetida à censura oficial;
      e) consequente possibilidade de desafiar as perspectivas oficiais, as
      rotinas oficiais e instaladas.
      
        
      
      Em suma, os ciber-libertários representaram a Internet como um local
      no qual os indivíduos cruzam a fronteira electrónica livres do peso
      da interferência do Estado, adoptando identidades que classificam
      como suas próprias em vez de adoptarem as que são politicamente
      construídas. O ciberespaço passou, no limite a ser construído
      como a promessa de um novo espaço global, social e anti-soberano
      em que se prenunciava a liberdade intelectual e económica que podia
      desfazer todos os poderes da terra (Loader, 2000: 84; 86).
      
        
      
      Apesar da euforia demo-digital (ou, ao invés, da disforia centrada
      por exemplo, na tese da sociedade da vigilância), a crítica ao
      determinismo tecnológico em qualquer uma das duas versões floresceu
      de forma mais sensata do que as primeiras vagas de teóricos e
      produtores de opinião deixavam fazer crer. Muitos académicos,
      contra o determinismo tecnológico que mobilizava algumas euforias,
      aceitariam a ideia segundo a qual a Internet é simultaneamente
      produtor e produto da mudança social (Baber, 2002).
      
        
      
      Concepções concorrenciais de democracia
      
        
      
      Este fenómeno de migração de um conceito da natureza daquele da
      esfera pública para o plano da cibercultura, marcado pelo ambiente de
      profecia eufórica que acabamos de descrever, implica que tentemos
      compreender melhor, antes, qual a relação das diferentes
      concepções de politica com as novas formas de comunicação.
      Num contexto eufórico que aos académicos compete, avisadamente,
      suavizar, os defensores da democracia directa, participativa,
      deliberativa ou liberal empenharam-se em sustentar que a Internet
      tinha traços de excelência para atribuir aos mecanismos de
      participação democrática. A forma como esta melhoria das
      condições de exercício do debate político democrática seria
      obtida dependia, claro, do debate académico entre concepções
      rivais de democracia.
      
        
      
      De acordo com uma abordagem liberal clássica, as instituições
      democráticas representativas funcionariam como uma espécie de
      dispositivo administrativo de representação agregada das
      preferências. A concepção liberal de cidadão é
      caracterizada prioritariamente em termos dos direitos individuais e das
      liberdades negativas, que lhes permitem a prossecução dos
      interesses privados sem muita interferência quer do Governo quer dos
      outros concidadãos. Porém, tais procedimentos não significariam
      nunca a abertura do espaço público no sentido que lhe foi
      conferido nomeadamente pelos teóricos da democracia deliberativa.
      Existe uma limitação da esfera pública liberal a qual consiste
      em ignorar propositadamente as opções de natureza ética que
      diferenciam as formas de vida. A tematização significa sempre uma
      fuga à complexidade introduzida pelo mundo da vida e às
      pretensões de validade diferenciadas existentes na esfera pública.
      A natureza pré-existente dos temas institucionalizados limita a
      natureza arbitrária do que é possível politicamente e determina a
      comunicação política, reduzindo a problemática da
      legitimidade à operatividade e eficácia da Teoria dos Sistemas.
      Noutras variantes, a concepção liberal de democracia centrada nas
      eleições faz depender o pluralismo do funcionamento eleitoral
      estrito.
      
        
      
      Numa concepção radicalmente oposta da política, marcada pela
      filosofia política comunitarista, a democracia implica a partilha de
      horizontes comuns de significação. A concepção de
      identidade dos comunitaristas atribui um peso essencial aos horizontes
      de significação do grupo e da comunidade. Esta afirmação
      não merece ser tomada de um modo idêntico em relação a todas
      as propostas comunitaristas certamente desiguais quanto se refiram a um
      McIntyre ou a um Charles Taylor (1989). Porém, genericamente o
      exercício da cidadania para as teses comunitaristas é caracterizado
      pelo exercício das liberdades positivas e pela prossecução de
      uma certa ideia de bem comum. Desta forma, revitalizar-se um
      entendimento projectivo da concepção de cidadania baseada na
      Vontade Geral ou no Bem Comum e que se traduziria no reforço dos
      mecanismos de participação.
      
        
      
      O projecto deliberativo de democracia foi, finalmente, uma das
      alternativas à concepção liberal e comunitária que recebeu
      uma dose elevada de atenção em diversos contextos, fora e dentro
      da discussão acerca das possibilidades entreabertas pelas novas
      tecnologias da informação. Numa concepção processualista
      empreendida por alguns dos adeptos da democracia deliberativa, a
      característica principal diria respeito a uma abordagem da democracia
      atenta à questão da legitimidade pública das decisões
      políticas mas não menos atenta à eficácia e governabilidade das
      decisões empreendidas pelo sistema político. Segundo este ponto de
      vista, a concepção comunitarista seria demasiado idealista e
      contrafactual uma vez que tornaria o processo democrático depende das
      virtudes dos cidadãos devotadas ao bem público. Quanto à
      abordagem liberal padeceria do défice de legitimidade de tomadas de
      decisões maioritariamente elitistas, na medida em que nem se chega a
      equacionar, pelo menos em toda a sua extensão, a dimensão
      ético-politica da própria legitimidade.
      
        
      
      O empreendimento teórico deliberativo dedicou-se à superação
      de um paradigma redutor centrado numa concepção puramente formal
      de democracia onde as esferas associativas, culturais, legais e
      públicas não dispõem de espaço para se constituírem como
      instância crítica e reflexiva.
 Estabeleceu um modelo de
      análise onde os problemas do pluralismo e da legitimidade ganham, de
      novo, um lugar central. A concepção deliberativa, nas suas
      diversas formulações mais recentes, terá procedido à
      formulação de uma síntese eclética de diversos elementos que
      dizem respeito à história do conceito, nomeadamente a
      enfatização liberal dos direitos individuais, o relevo conferido
      por Tocqueville (1992) à pluralidade de associações e
      intermediações e o realce conferido por Habermas (1982; 1996),
      Hannah Arendt (1986) e pelos comunitaristas à defesa da esfera
      pública e da participação dos cidadãos. Com o recurso à
      interdisciplinaridade integrou as abordagens da sociologia crítica e
      da sociologia dos movimentos sociais, integrando na concepção
      normativa, democrática e deliberativa, os elementos e os meios
      relativos à apresentação de pretensões conflituais de
      legitimidade por parte dos grupos de cidadãos. Esta postura conduz a
      aceitar que a democracia integre dentro da imagem que constrói de si
      aquilo a que Shapiro chama de 
ethos de oposição e
      portanto como um meio para gerir as relações de poder
      intrínsecas a qualquer sociedade de uma forma que minimize a
      dominação (Shapiro, 2003:3). De acordo com este ponto de vista,
      uma democracia forte tem de proporcionar a oportunidade para a
      participação dos cidadãos em todas as decisões que dizem
      respeito a temas que são importantes para eles e os impliquem. Em
      termos práticos esta opção representa um equilíbrio entre
      participação e representatividade. Porém, implicou, sobretudo,
      o recurso a dois pressupostos em que se baseia o seu entendimento:
      
        
      
      
        
        a) A democracia é deliberativa porque também dá igualmente
        atenção aos mecanismos informais de deliberação e à
        participação política de públicos que se reconhecem como
        dotados de capacidade de influência desigual; 
        b) A democracia é processualista porque
        
          
        
        
          -  Implica a referência ético-política a uma norma que prescreve
            o processo válido para fundar e justificar o diálogo colectivo
            Esta norma remete para a referência à igualdade e
            universalidade de acesso por parte dos interessados no debate, à
            reflexividade sobre o conteúdo do discurso produzido e para a
            reciprocidade de expectativas por parte dos mesmos;
            
              
             
-  Trata-se, enfim, de uma concepção processualista porque
            existe uma protecção no plano jurídico-constitucional e no
            plano administrativo que implica a recepção destes pressupostos e
            a sua protecção. Assim, o Direito perde o seu carácter de medium exclusivamente sistémico, assegurando, de modo
            institucional, a relação da política com uma ordem moral.
            
              
             
        
      
      A vantagem da democracia deliberativa sob o ponto de vista teórico
      afirma-se numa ideia central: apesar da importância que as
      relações comunitárias têm para uma parte considerável dos
      autores da democracia deliberativa (tenha-se em mente a
      concepção de identidade presente em Habermas e a sua larga
      coincidência com a concepção de identidade de um Charles
      Taylor), não é necessário defender que as relações
      comunitárias são, 
per se, moralmente superiores. Apenas se
      defende que certos contornos das estruturas comunitárias podem ser
      benéficas por permitirem sentir a experiência da multiplicidade de
      raízes e contribuírem, consequentemente, para a reserva de capital
      social.
      
        
      
      As concepções de democracia e a o milagre digital
      
        
      
      Os resultados do milagre previsto pelos Cyber-libertários variam
      consoante a proveniência teórica dos que promovem a
      implantação da prótese cibercultural no corpo exangue da
      democracia.
      
        
      
      No plano liberal, a utilização da Internet traduzir-se-ia,
      logo, em formas de facilitação dos mecanismos representativos:
      além do voto electrónico, generalizar-se-iam procedimentos
      administrativos de natureza democrática que garantiria a
      ultrapassagem de algumas das patologias que decorreriam de uma
      representatividade imperfeita. Do ponto de vista da intervenção
      da rede e dos mecanismos digitais, a abordagem liberal considera que o
      uso da rede pelos cidadãos se traduz na importância atribuída aos
      indivíduos.
      
        
      
      Ao invés, a perspectiva comunitaristas fortalece a criação de
      espaços associativos de natureza digital cuja descrição mais
      conhecida é o exemplo memorável da comunidade Well apresentada por
      Howard Rheingold.
      
        
      
      Os trabalhos efectuados até ao momento não descobriram evidência
      empírica que permitisse suportar qualquer das suposições
      apresentadas sejam por liberais e comunitaristas (Bimber, 2003). Ao
      invés, alguns autores sustentam que há evidência empírica na
      demonstração de que o modelo deliberativo da democracia é o que
      surge mais adequada ao uso das novas tecnologias da informação e
      da comunicação, especialmente às suas capacidades para
      potenciar o diálogo, o debate e a discussão. Pareceria claro aos
      olhos de todos que os novos media e a Internet ofereciam múltiplas
      oportunidades de partilhar ideias e opiniões, intervir e debates e
      trocar pontos de vista.
      
        
      
      Tais pesquisas assinalam a existência de um tipo de 
modus
      operandi resultante da Internet e que, eventualmente, parece
      susceptível de poder articular-se com a esfera pública no seio de
      uma democracia deliberativa. Tal 
modus operandi expressa-se
      num certo activismo geralmente dirigido para um único tema ou causa,
      na fundamentação em movimentos de base organizados de acordo com
      uma lógica comunitária, no recurso a organizações não
      governamentais. Este tipo de movimentos compareceram, com efeito, na
      Internet com franco sucesso mostrando grande desenvoltura para se
      movimentarem e proliferarem no ambiente digital.
      
        
      
      Acabaram mesmo por conhecerem um aprofundamento recente graças a
      fenómenos como o 
webjornalismo ou o jornalismo 
online cívico e comunitário e os 
weblogs.
      
        
      
      Aos olhos de muitos dos seus teóricos, nomeadamente Jay Rosen e
      Theodore Glasser, aparentemente poderia estar-se perante uma lógica
      de identificação da função política dos 
media sintomática de uma orientação comunitarista. Aliás, como
      muito bem assinala Mário Mesquita (2003) existem tendências
      comunitaristas no jornalismo cívico. Neste vasto movimento centrado
      em volta de personalidades como David Merrit e de instituições
      como o 
Pew Institute for civic journalism, o 
Poynter
      Instititute for media studies e o Departamento de Jornalismo da
      Universidade de Nova Iorque houve variadíssimos traços e
      inflexões de natureza comunitarista. Porém, a invocação de
      John Dewey ou até de Rorty como titulares ou inspiradores de alguns
      destes movimentos revela que este comunitarismo cívico não deve ser
      todo olhado por igual, verificando-se até que o apelo à
      participação política desenvolvida nalguns destes sectores é
      bem consentânea com as tendências cosmopolitas e modernas de um
      Charles Taylor do que com a crítica cerrada ao Iluminismo empreendida
      por Alasdair McIntyre (Jay Rosen, 2003: 33). O comunitarismo moderado
      de que falamos não implica a recusa dos direitos humanos
      universalmente conhecidos, os quais aliás seriam mesmo o critério
      de legitimidade e o limite para o reconhecimento dos direitos culturais
      das minorias (Mesquita, 2003). Nesse sentido, os defensores da
      democracia deliberativa não diriam de modo diferente. Por outro lado,
      algumas das instituições reconhecidas como comunitárias assumem
      explicitamente que têm um objectivo: perceber como é que o
      público pode funcionar como um órgão deliberativo (Rosen, 2003:
      41). Finalmente, alguns reconhecem no jornalismo cívica a
      influência de fontes diversas ao lado dos comunitaristas: Dewey, a
      Teoria da Responsabilidade Social, Habermas e Hannah Arendt.
      
        
      
      Finalmente, há uma razão adicional: estas últimas tendências
      acabam por não concretizar o despertar para a vida cívica tal como
      ele é pensado no comunitarismo, isto é a reactivação da
      cidadania em torno de ideias mobilizadoras do bem comum. Muito do que
      é feito no 
webjornalismo cívico e comunitário não
      suscita empenhamento político mas antes uma monitorização mais
      apurada sobre o ambiente politico. Para além dos pressupostos
      teóricos, a prática de muitas formas comunicacionais de
      intervenção cívica ditas como Jornalismo Público revelou uma
      considerável sintonia de preocupações e de metodologias com os
      fóruns, os quais claramente têm traços típicos de mecanismos
      especialmente compatíveis com a democracia deliberativa.
      
        
      
      Esta sintonia intelectual do autor com alguns dos contornos deste modelo
      implica que confiramos à democracia deliberativa na sua
      articulação com as Tecnologias de Informação, a
      centralidade da parte final deste ensaio.
      
        
      
      As concepções deliberativas sobre suspeita
      
        
      
      Um dos problemas maiores das concepções deliberativas de
      democracia é o facto de, nalgumas das suas versões mais
      voluntaristas, conterem algumas assunções pouco realistas acerca
      das motivações pessoais para se empenharem de modo activo e
      sistemático na discussão e deliberação políticas.
      
        
      
      O cidadão médio não tem vontade para acarretar o custo associado
      à deliberação política. Por outro lado, quando o cidadão
      dispõe desta vontade não dispõe de meios e de oportunidades, por
      um conjunto de factores. Entre estes factores intervêm desde o efeito
      de agenda produzido por todo um conjunto de especialistas,
      designadamente os jornalistas dos grandes órgãos de
      informação e os assessores das agências de comunicação.
      
        
      
      Finalmente, a questão do funcionamento da democracia deliberativa
      não diria apenas respeito aos meios e oportunidades de acesso.
      Implicaria também a qualidade dos recursos comunicativos
      disponíveis. Se como alerta Wilson Gomes, os requisitos disserem
      respeito a uma discussão pública que satisfaça os requisitos de
      autenticidade (entendida como imunidade a formas externas de
      coacção), razoabilidade argumentativa, efectividade entendida
      como possibilidade de produção de efeitos na esfera pública, a
      questão torna-se mais delicada. A escassez de arenas de debate e a
      inexistência de uma rede densa de oportunidades de deliberação
      acumulam-se com carências de natureza cognitiva relacionadas com a
      informação e o conhecimento; de natureza cultural relacionadas
      com a cultura política e com a incapacidade crítica de lidar com
      impressões, crenças e valorações e representações do
      imaginário socialmente disseminadas e condições de natureza
      instrumental, referidas aos meios e modos.
      
        
      
      Apesar de tudo é legitimo considerar que alguns conceitos entretanto
      formulados por Arato e Cohen (1995) e pelo próprio Habermas (1996)
      parecem ter superado algumas destas questões.
      
        
      
      Desde já, as ideias propaladas por Habermas em a 
Mudança
      Estrutural da Esfera Pública (1982) ou, até, algumas
      formulações inspiradas em Marx (1963) ou em Hannah Arendt (1986)
      evoluíram para a concepção de uma utopia auto-regulada Com
      efeito, um sistema plenamente democrático deve incluir o controlo
      final da agenda pelo povo. Porém, compreendeu-se finalmente que
      esta concepção, não implica que o povo tenha de estar
      necessariamente envolvido em cada decisão sobre a agenda, mas apenas
      e só que ele tenha uma oportunidade de controlo final sobre a
      agenda se considerar isso necessário.
      
        
      
      Esta concepção de um reformismo deliberativo e de uma utopia
      auto-regulada segue dois argumentos fundamentais:
      
        
      
      O primeiro de natureza substancial implica uma certa
      auto-limitação que surge do reconhecimento do facto de que
      muitos dos caminhos percorridos pelas formas de
      auto-organização específicas de períodos revolucionários
      (sovietes, concelhos, etc.) conduziram a formas extremas de
      autoritarismo. A crítica a determinadas fórmulas de modernidade
      centralizadora significou uma recusa das utopias centralizadoras e
      totalizantes, as mais das vezes motivadas pelo desejo de fazer tábua
      rasa da racionalidade económica e das liberdades ditas formais
      (Morató, 1996: 71). Na actual conceitualização de Habermas
      (1996) e no modelo de Cohen e de Arato (1995), os movimentos da
      sociedade civil permanecem contidos numa estratégia que visa não a
      ruptura mas, antes, o equilíbrio entre a lógica dos sistemas
      burocráticos e mercantis e a lógica integradora das relações
      simbólicas e culturais. Os projectos totalitários podem conduzir,
      facilmente, à falência da economia, à supressão do pluralismo
      político e social e ao colapso e burocratização do Estado. Os
      modelos de recuperação da cidadania democrática prendem-se
      sobretudo com a geração de influência mediante o associativismo
      democrático e a discussão na esfera pública.
      
        
      
      O segundo argumento diz respeito à governabilidade. O modelo
      deliberativo pode por vezes ser acusado de sacrificar a eficácia na
      tomada de decisões, pelo facto de exacerbar o desacordo político e
      provocar a instabilidade. Esta problemática no fundo reflecte o velho
      tema do equilíbrio possível entre governabilidade e
      participação. A filosofia política dos teóricos da
      deliberação tem procurado conduzir esta discussão para um campo
      razoavelmente satisfatório que evite o triunfo de uma lógica
      sistémica unilateral ou, ao invés da idealização do mundo da
      vida e da sociedade civil. Porém, não são apenas razões de
      natureza político - moral que devem conduzir-nos na pesquisa
      sobre a validade deste argumento. Os trabalhos de Cass Sunstein parecem
      demonstrar grupos opinativamente homogéneos, na ausência de debate,
      revelam-se instáveis e tendentes a seguir o ponto de vista mas
      definido e, muitas das vezes, o mais extermo de entre os pontos de
      vista apresentados. Logo, a instabilidade surge sobretudo na ausência
      de deliberação crítica, isto é, quando a deliberação
      é feita entre pessoas que tem uma excessiva conformidade de
      posições (Sunstein, apud Talisse, 2005: 195).
      
        
      
      Finalmente, sob o ponto de vista filosófico, importa pensar um pouco
      melhor sobre o carácter alegadamente auto-evidente que é
      atribuído às acusações de idealismo que perseguem as
      concepções de democracia mais comprometidas com a
      intervenção informal dos públicos. O carácter contrafactual e
      normativo das normas que regulam a deliberação pública têm
      uma componente presuntiva que implica aos agentes procederem como se
      todos admitissem que sua concretização fosse possível e
      desejável, ao nível da acção quotidiana. Entre factos e
      normas, a tensão em direcção a um determinado ideal implica uma
      afecção que é acusada por alguns como idealista ou
      voluntarista, quando não uma ficção ideológica. Alguns dos
      principais autores que sustentam esta via desde sempre assinalaram as
      promessas do Iluminismo à luz de uma tensão entre a crítica da
      ideologia e o reconhecimento do seu potencial crítico (Jones, 2000).
      Mesmo que se conceda que a imagem de uma situação ideal de
      diálogo é apenas uma imagem e que as pretensões de validade
      relativas à justiça, razoabilidade, honestidade, verdade e
      sinceridade sejam meros 
slogans ao serviço de objectivos
      de 
marketing, teríamos de concluir que a capacidade efectiva
      de tais 
slogans resulta do facto de os cidadãos e as
      comunidades compartilharem da importância das pretensões de
      validade citadas e das normas que as protegem. Com efeito, os
      cidadãos pretendem que as suas opiniões sejam vistas como baseadas
      em razões e em argumentos mais do que em simples preferências.
      Logo, não é claro que as pessoas partilhem de um cinismo
      idêntico. Em suma, a auto-imagem deliberativa pode ser um aparelho
      meramente ideológico, estratégico ou retórico mas a sua
      eficácia indicia que a imagem construída de si pelos que têm uma
      visão deliberativa da democracia ecoa positivamente nas pessoas
      (Talisse, 2005).
      
        
      
      As limitações da articulação entre o modelo deliberativo e as TIC
      
        
      
      Finalmente, aparecem as críticas que remetem para uma tentativa de
      minimizar ou até interditar o contributo das tecnologias da
      informação para o modelo deliberativo da democracia.
      
        
      
      Desde logo, os cidadãos não levam em conta as oportunidades para se
      tornarem envolvidos na política seja a título individual seja a
      título comunitário. Pelo contrário, os cidadãos apoiam de forma
      algo distante actividades de monitorização empreendidas por
      portais cívicos, organizações activistas, organizações
      não governamentais e jornalistas criticamente empenhados. Assumem que
      estes farão por avisá-los acerca do desenvolvimento de decisões
      e políticas que possam afectar as suas vidas. A evidência
      empírica, obtida pelos estudos que sustentam estes resultados, tem a
      sua explicação na economia dos custos de informação. Na
      verdade, "os efeitos esperados da expansão da comunicação
      são limitados pela falta de vontade e de capacidade dos humanos para
      se comprometerem numa vida pública complexa " (Bimber, 2003, p. 3).
      
        
      
      Não se verifica uma relação de causa e de efeito entre a
      informação e a participação política. Antes pelo
      contrário, estes estudos parecem demonstrar que a estrutura cognitiva
      do cidadão limita a vontade e a capacidade para assimilar a
      informação de um modo sistemático. De uma forma simples, "há
      demasiados assuntos, demasiadas decisões, demasiada complexidade,
      para esperar que os cidadãos se informem a si próprios e chamem a
      si um pouco da responsabilidade de avaliar concretamente os problemas
      sem a intervenção de uma vasta elaborada infra-estrutura humana
      de processadores de informação que funcionam efectivamente como
      gatekeepers, mediadores e decisores (Bimber, 2003 p. 8).
      
        
      
      As reservas igualmente colocadas por um autor relativamente próximo do
      modelo deliberativo de democracia (Wilson Gomes) são merecedoras de
      respeito e de atenção. Segundo este autor, foram as figuras
      institucionais e não os fóruns informais de deliberação quem
      aproveitaram as 
ciberfacilidades da produção de
      informação a um baixo custo. Candidatos, instituições e
      agentes do Estado e dos seus poderes foram os primeiros, os mais
      eficazes e os mais vorazes na compreensão e na utilização das
      TICs.
      
        
      
      Em segundo lugar, a dispensa do deslocamento espacial, do
      comprometimento desconfortável, a própria libertação das
      cansativas, incómodas e trabalhosas assembleias e fóruns levados a
      efeito na vida real, a conveniência de fazer as coisas no próprio
      ritmo e segundo as próprias disponibilidades, prescindindo dos
      requisitos formais das instituições e da convivência
      forçada com estranhos, adequa-se à sociabilidade dominante numa
      cultura individualista e flexível. Esta adequação parece
      pensada para uma esfera civil que não mais se pensa prioritariamente
      como pública mas como uma nebulosa de interesses difusos e de
      laços esporádicos e mutáveis. Algo demasiadamente frágil e
      esporádico para poder responder às exigências racionais de uma
      esfera pública e se articula melhor com as pálidas esferículas
      de Gitlin.
      
        
      
      Um terceiro tipo de problema diz respeito ao tipo de informação
      política que temos hoje na rede. Graças às fusões entre
      motores de busca e grupos noticiosos, a maior parte da informação
      de actualidade inserida pelas indústrias da informação padece
      daqueles limites que vêm sendo apontados desde há várias
      décadas na literatura sobre jornalismo e democracia. Tal como na
      indústria mediática, a maior parte da informação política
      terá afinal como fonte indivíduos privados com interesse
      político.
      
        
      
      Finalmente, outro dos problemas diz respeito ao conceito de
      inclusão. Uma autêntica
      experiência de democracia depende basicamente de uma paridade
      fundamental dentre os cidadãos.
      
        
      
      Outro problema estrutural que merece ser tido em conta, reside no
      argumento, notoriamente válido, segundo a qual a comunicação
      electrónica, mais do que criar os elementos de natureza sociológica
      que tornam possível a exigente deliberação de raiz kantiana,
      isolou cada vez mais os cidadãos que anteriormente interagiam em
      fóruns. Mais do que um simples agregado de audiências, a esfera
      pública cosmopolita implica circunstâncias que favoreçam a
      responsabilidade mútua e a construção de uma cultura política
      comum. Uma das razões que torna a Internet atraente aos olhos de
      muitos será o seu cosmopolitismo e desenraizamento, a sua capacidade
      em atravessar fronteiras. Porém, ao mesmo tempo, a marca ideológica
      proveniente de narrativas identitárias continua a moldar muitas
      formas de militância que se verificam no chamado Cyber-espaço.
      Neste sentido, a rede será, mais do que uma evidente prova de
      potencialidades cosmopolitas, uma metáfora das tensões entre
      universal e particular, global e individual que se manifestam na
      globalização. Pode-se mesmo admitir que a dinâmica das
      identidades colectivas que partilham interesses comuns constituem a
      maior ameaça aos modelos cosmopolitas de cooperação moral e
      de cooperação política ( Brothers, 2000).
      
        
      
      Neste sentido, o discurso crítico parece conseguir alguma
      razoabilidade e marcar pontos na adopção de um discurso
      relativizador das vantagens da Internet no seu entrosamento com a
      democracia deliberativa. Ora, todos os discursos acerca da utilidade de
      uma determinada tecnologia têm de ter em conta o que se pretende
      fazer para que não se caia na desproporção entre os objectivos
      e os meios. Realmente, acreditar que a introdução do computador
      resolve a desigualdade no acesso ao poder constitui aquela forma de
      determinismo tecnológico, tanto mais gravosa quanto não diz
      respeito à explicação do passado mas à projecção do
      futuro. Podemos, ao invés, seguir outra estratégia, determinado
      exactamente o que se possa fazer - desde que nos bastemos com isso:
      exactamente o que se pretende fazer e não mais.
      
        
      
      Convirá por isso precisar o que se pode fazer com a rede que se
      considere compatível com o que se pensa ser o aprofundamento da
      cidadania no sentido deliberativo.
      
        
      
      Em primeiro lugar, haverá que reconhecer que as Tecnologias de
      Informação e de Comunicação introduzem as possibilidades de
      uma visibilidade, publicidade e abertura relativamente novas. Tais
      características não devem ter como padrão de referência a plena
      abertura do espaço público mas devem recolher a mudança nas
      suas configurações. Elas devem ter especialmente em conta o
      progresso que introduziram em relação à situação
      efectivamente existente e não em função de uma longínqua
      promessa utópica. Nesse sentido, as promessas do 
self
      publishing, e a iniciativas de cidadãos são elementos dificilmente
      contornáveis.
      
        
      
      Sem que se pretenda praticar uma espécie de minimalismo estratégico
      não parece desavisado o acordo em torno da ideia de que a
      responsabilização das instituições não depende apenas de
      uma inspecção efectiva mas da expectativa fundada de que esta
      inspecção possa ser realizada. Quando as instituições e os
      seus servidores sabem que os cidadãos podem ser informados e que
      podem exigir-lhes a prestação de contas no futuro com base na
      informação que se encontra disponível, tornam-se socialmente
      mais responsáveis.
      
        
      
      Neste domínio, a comunicação política tem de dar uma
      atenção nova aos elementos novos resultantes da introdução
      da tecnologia. Os mediadores estão envolvidos no estabelecimento da
      agenda e na chamada de atenção pública para as questões
      relevantes, ou seja no agendamento e na tematização. Porém,
      este tipo de fenómenos ocorre num ambiente complexo de raízes
      ideológicas e culturais cada vez mais e mais instáveis. Assim, o
      impacto da Internet aumenta a responsabilidade do governo perante o
      público, sem que tal signifique uma mudança dramática no
      compromisso cívico nem na participação no processo de
      deliberação política. A luta pelo agendamento, a luta pela
      hegemonia torna elementos fundamentais. Se vale a pena considerar como
      válida a hipótese do fluxo em duas etapas defendida nos anos 40 a
      propósito dos estudos de Erie County (1940), Elmira (1948)e Decatur
      (1955), chamando a atenção para as predisposições das
      audiências, acrescentaríamos que vale a pena ter em conta mais dois
      elementos que faltavam na tese de Katz e de Lazarsfeld: a) as
      predisposições das audiências também são mediaticamente
      condicionadas; e uma parte significativa dos líderes de opinião
      exercem a sua liderança através dos
 media. Os mediadores
      que gerem a informação na Net chamando a atenção para o que
      vale a pena conhecer são o melhor exemplo deste facto. A
      proliferação de 
self media e o acesso fácil a canais
      de informação alternativa dificultam o monopólio da agenda
      pública pelo menos em situações de crise: o recurso à
      Internet para desencadear movimentos de opinião alternativos em volta
      de temas ocultos da agenda colhe muitos exemplos bem actuais. Muitas
      destas possibilidades, nalguns dos seus usos múltiplos, nem sempre
      virtuosos, poderão passar pela atribuição de relevância a
      temas geralmente ocultos, alterando a função de agendamento
      graças ao impacto produzido junto dos próprios 
media de
      massa. Assim, uma parte substancial dos temas sociais da agenda
      publica, (a sensibilização para questões ambientais, novos
      direitos sociais, etc.), dificilmente ganhariam relevância sem as
      estruturas comunicativas que competissem pela influência com outras
      organizações comunicacionais que se encontram melhor colocadas no
      centro da esfera pública. Neste sentido, é a própria Teoria dos
      Efeitos que merece ser reavaliada, sobretudo tendo em conta novas
      configurações da esfera pública e do sistema de
      comunicação política: fronteiras entre instâncias sociais que
      se alteram, pois temas julgados minoritários conquistam rapidamente o
      centro; alterações mais bruscas do que o habitual no que respeita
      ao protagonismo e à capacidade de influenciar; mecanismos de
      agendamento mais fluidos e mais dificilmente controláveis;
      relações mais rápidos e também menos fiáveis com as
      fontes.
      
        
      
      Em segundo lugar, a utilização de bases de dados permite até
      certo ponto uma visão mais dinâmica da sociedade política e das
      suas mensagens, tornando possível ao cidadão uma avaliação
      mais rigorosa da vida política e da esfera pública. Basta para
      tanto pensar que as redes de computadores não se limitam a ter o
      registo da actualidade editada pelo campo do jornalismo, mas também
      toda a espécie de registro de fatos e actos políticos do passado.
      
        
      
      Em terceiro lugar urge ponderar de forma nova a problemática da
      economia da atenção, um bem cada vez mais escasso. Há que
      considerar se a oferta de informação política corresponder a
      existência de um real e significativo interesse político na esfera
      civil. Há informação política disponível, mas há um
      interesse significativo do utilizador. Mais importante ainda, há que
      saber se essa informação se traduz em algo de novo politicamente
      falando. Em Portugal, os números do Eurobarómetro indiciam que os
      portugueses não têm uma apetência menor do que os restantes
      Europeus pela Política. Segundo números (citados por António
      Rosas na Tese de Mestrado Comunicação e Partidos Políticos
      apresentada en Fevereiro de 2006 na Faculdade de Letras da Universidade
      do Porto), os utilizadores domésticos que consultaram 
sites políticos a partir de casa entre 1 de Abril e 31 de Maio de 2000,
      apresenta um valor percentual que não diverge da média dos outros
      países da União Europeia. Os utilizadores portugueses contavam-se
      entre os europeus mais interessados em ler artigos de
 websites do seu país, ficando acima da média europeia. Tudo isto se
      verificava porém num contexto em que o processo de massificação
      da Internet em Portugal não atingia os patamares mínimos desejados
      pela União Europeia. Os dados do Eurobarómetro indicavam que
      Portugal não era dos menos interessados na participação
      política na Internet mas em contrapartida, eram os que revelavam
      maior desprezo pelos partidos políticos, sendo o Governo a
      instituição em que os portugueses menos confiam a seguir aqueles.
      
        
      
      Ora, não é totalmente imprudente deduzir que esta realidade
      corresponda a uma vocação da Comunicação Política da Net.
      A experiência dinamarquesa diz-nos que as aldeias electrónicas
      conheceram um relativo declínio no uso de fóruns e
      tele-serviços. Porém, como acentua Brian Loader este declínio
      não se verificou ou verificou-se menos nos casos em que a
      acção comunitária activa e não a imposição de
      directivas verticais acompanharam o lançamento das infraestruturas
      informáticas e digitais. Assim o lançamento de novas
      infraestruturas comunicacionais funcionou tanto melhor onde os
      objectivos foram fixados com as populações de acordo com
      elementos democráticos de recolha das suas opiniões, através da
      aprendizagem colectiva dos usos a implementar e sobretudo com o
      convencimento partilhado de que esta era uma realidade a ter em conta
      no quotidiano e não apenas uma experiência esporádica.
      
        
      
      Por outro lado, reforçando esta tendência os fóruns
      informáticos de natureza temática centrados em assuntos locais
      tornaram-se crescentemente populares, como mecanismos que
      reforçam a democracia, mas com clara preferência por um certo
      estilo de participação. Embora esses fóruns variem enormemente
      em tópico e formato eles partilham determinadas características
      comuns: patrocínio ou apoio por parte de media locais debaixo da
      rubrica de jornalismo cívico ou público; constituem uma
      oportunidade para os cidadãos médios para se encontrarem e
      discutirem assuntos públicos e apresentarem e soluções;
      conhecem uma repercussão que chega à esfera pública através de
      outros media. Ou seja, eles são sensores hábeis para um conjunto de
      temas que são mais facilmente emergentes na periferia civilista
      (McLeod, Scheufele, Moy, 1999).
      
        
      
      A mobilização não terá o mesmo sentido frequentemente
      atribuído a situações de natureza mais formal. Porém, não
      deixa de pode ser coberta por uma noção mais concreta de
      exercício da cidadania. Curiosamente, estas considerações não
      são muito diferentes daqueles que os teóricos latinos americanos da
      comunicação pelo desenvolvimento constaram na América Latina ou
      em África com a implantação de rádios comunitárias. À
      Internet não cabe, pois, formular promessas de transformação da
      democracia. Apesar da luminosidade e pertinência de muitas
      formulações de McLuhan, ficaríamos no escuro se nos
      remetêssemos à substituição da política pela tecnologia.
      Mais do que nunca, nos caberia admitir que mais uma vez caíramos no
      cyber-fetichismo.
      
        
      
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