Novos media e esfera pública
As profecias cyber-democráticas no contexto da democracia deliberativa.
Joao Carlos Correia
2008
A conceitualização do termo "esfera pública" conheceu um
desenvolvimento profícuo, recebendo contributos diversos provenientes
da sociologia das identidades e dos movimentos sociais e dos teóricos
da democracia deliberativa. Conheceu os favores da conjuntura
académica, política, cultural e tecnológica. À importância da
comunicação na vida quotidiana do século XX juntou-se a
dramática aceleração proporcionada pela comunicação
mediada por computador. Em todos estes eventos, a democracia pareceu
ter o seu valor enriquecido no mercado das ideias. Tal não significa
que o valor efectivo das suas estruturas, nomeadamente a esfera
pública, tenha conhecido um acréscimo de valor efectivo
directamente proporcional.
Introdução: operatividade do conceito de esfera pública
Existem várias conceitualizações de esfera pública que
conheceram uma consagração importante nos estudos sobre as
relações entre comunicação e política. A abordagem que
mobiliza a nossa atenção é centrada na modernidade, com origem
em Kant e estudada em perspectivas diversas por Dewey (1987) e, mais
recentemente, por Habermas (1982; 1996); Arato e Cohen (1995) e Bohman
(1997).
Esta abordagem descreve a esfera pública como uma instância da
vida social que implica o exercício público da racionalidade em
torno de questões de interesse colectivo ou um domínio da vida
social associada à formação da opinião pública.
Com base numa certa idealização, fundada em motivos de natureza
heurística e de natureza política, tal concepção de esfera
pública implicou a sua fundamentação num modelo contrafactual e
normativo que implicou um certo entendimento da interacção entre
os membros do público. Tal interacção é implícita ou
explicitamente referida como
a) Acção comum desenvolvida e partilhada pelos membros de um grupo
e/ou entre um medium e os membros desse grupo estruturado como um
público;
b) Tendente a realizar e a concretizar os seus projectos ou apresentar
as suas opiniões;
c) Passível de reagir perante os projectos e opiniões alheias;
d) Tendente a comunicar e expor entre si os seus argumentos;
e) Procurando legitimar as suas acções e enunciados ou a
questionar a legitimidade das acções e enunciados alheios em
função da sua maior ou menor racionalidade intrínseca.
(Correia, 1998, 8).
Comunicação e racionalidade surgem deste modo incontornavelmente
implicadas na caracterização desta instância.
Apesar da importância concedida à imprensa na formação da
moderna publicidade crítica, a alegada dissolução do espaço
público seria de, modo não menos explícito, atribuída à
indústria mediática. À idealização do espaço público
seguiu-se a narrativa do seu declínio (Habermas, 1982, 191). Entre
os traços deste diagnóstico encontram-se a massificação
da cultura, a substituição da esfera pública iluminada por
consumidores passivos, a transformação da imprensa de genuína
expressão da opinião pública em instrumento de interesses
particulares relacionados com os
lobbies.
Primeiro, a emergência de uma esfera pública que colocou, ainda
que em termos ideais, a hipótese de difundir o pensamento, de forma
racional e igualitariamente repartida. Depois, a transformação
generalizada das mensagens em mercadoria e a substituição da
publicidade crítica (em que se fundaria o modelo de democracia
deliberativa) pela publicidade manipulativa, na qual a formação
de opiniões é substituída pela medição das atitudes e em
que o nivelamento das expectativas sociais, politicas e culturais pelo
mercado tornou possível comparar a eleição de qualquer titular
de um órgão de soberania com a prosaica escolha de um sabonete.
A este percurso veio acrescentar-se um novo estágio euforicamente
relacionado com o aparecimento dos
novos media e,
consequentemente, com a repetida questão retomada de forma recorrente
numa literatura vasta sobre o tema: será que a Internet é uma
esfera pública que contribui para o aprofundamento da democracia
deliberativa?
Para muitos que protagonizaram tentativas de responder a esta última
pergunta, as novas redes redimensionaram a comunicação em termos
universais, permitindo fórmulas organizativas e comunicacionais que
tornaram possível uma relação estreita com os públicos. Os
debates sobre
media interactivos, nomeadamente sobre a
Comunicação Mediada por Computador (CMC), muitas das vezes
emergem acompanhados por referências aos tipos ideais que orientaram
as metáforas sobre os quais assenta a filosofia democrática: quer
à
agora grega, quer ao espaço público burguês e liberal.
A profecia cyber-democrática
Nas discussões sobre novos
media e democracia, por exemplo,
assumiu-se como um pressuposto a ideia genérica de que a
democracia, em todas as suas configurações, seria um ideal nobre
mas imperfeito cuja imperfeição seria superada pela
comunicação. Assumindo-se tal pressuposto encetou-se uma
discussão que incidiu, sobretudo, em decidir sobre se os novos meios,
principalmente a Internet, podem ajudar a resolver o
déficit
democrático da sociedade contemporânea.
Existe um número considerável de concepções concorrenciais de
democracia. Porém, não deixa de ser significativo que o debate,
tipicamente, em anos recentes, tenda a centrar-se numa espécie de
continuum com a democracia participativa num dos extremos da
escala e a democracia representativa no outro extremo (Hague e Loader ,
1999: 5). No limite "os evangelistas da Internet concebem-na como
um fórum electrónico compreendendo uma vasta rede de cidadãos
livres e iguais capazes de debaterem todas as facetas da sua
existência sem medo de controlo por parte das autoridades soberanas
(Hague & Loader, 1995: 6). Insiste-se num apelo a um novo paradigma
que conduziria ao desenvolvimento de uma nova variedade de democracia,
cujos traços seriam: a) interactividade - com todos os
utilizadores comunicando uns com outros numa base de reciprocidade; b)
globalidade - graças à ausência de fronteiras nacionais; c)
liberdade de discurso e de associação; d) construção e
disseminação de informação submetida à censura oficial;
e) consequente possibilidade de desafiar as perspectivas oficiais, as
rotinas oficiais e instaladas.
Em suma, os ciber-libertários representaram a Internet como um local
no qual os indivíduos cruzam a fronteira electrónica livres do peso
da interferência do Estado, adoptando identidades que classificam
como suas próprias em vez de adoptarem as que são politicamente
construídas. O ciberespaço passou, no limite a ser construído
como a promessa de um novo espaço global, social e anti-soberano
em que se prenunciava a liberdade intelectual e económica que podia
desfazer todos os poderes da terra (Loader, 2000: 84; 86).
Apesar da euforia demo-digital (ou, ao invés, da disforia centrada
por exemplo, na tese da sociedade da vigilância), a crítica ao
determinismo tecnológico em qualquer uma das duas versões floresceu
de forma mais sensata do que as primeiras vagas de teóricos e
produtores de opinião deixavam fazer crer. Muitos académicos,
contra o determinismo tecnológico que mobilizava algumas euforias,
aceitariam a ideia segundo a qual a Internet é simultaneamente
produtor e produto da mudança social (Baber, 2002).
Concepções concorrenciais de democracia
Este fenómeno de migração de um conceito da natureza daquele da
esfera pública para o plano da cibercultura, marcado pelo ambiente de
profecia eufórica que acabamos de descrever, implica que tentemos
compreender melhor, antes, qual a relação das diferentes
concepções de politica com as novas formas de comunicação.
Num contexto eufórico que aos académicos compete, avisadamente,
suavizar, os defensores da democracia directa, participativa,
deliberativa ou liberal empenharam-se em sustentar que a Internet
tinha traços de excelência para atribuir aos mecanismos de
participação democrática. A forma como esta melhoria das
condições de exercício do debate político democrática seria
obtida dependia, claro, do debate académico entre concepções
rivais de democracia.
De acordo com uma abordagem liberal clássica, as instituições
democráticas representativas funcionariam como uma espécie de
dispositivo administrativo de representação agregada das
preferências. A concepção liberal de cidadão é
caracterizada prioritariamente em termos dos direitos individuais e das
liberdades negativas, que lhes permitem a prossecução dos
interesses privados sem muita interferência quer do Governo quer dos
outros concidadãos. Porém, tais procedimentos não significariam
nunca a abertura do espaço público no sentido que lhe foi
conferido nomeadamente pelos teóricos da democracia deliberativa.
Existe uma limitação da esfera pública liberal a qual consiste
em ignorar propositadamente as opções de natureza ética que
diferenciam as formas de vida. A tematização significa sempre uma
fuga à complexidade introduzida pelo mundo da vida e às
pretensões de validade diferenciadas existentes na esfera pública.
A natureza pré-existente dos temas institucionalizados limita a
natureza arbitrária do que é possível politicamente e determina a
comunicação política, reduzindo a problemática da
legitimidade à operatividade e eficácia da Teoria dos Sistemas.
Noutras variantes, a concepção liberal de democracia centrada nas
eleições faz depender o pluralismo do funcionamento eleitoral
estrito.
Numa concepção radicalmente oposta da política, marcada pela
filosofia política comunitarista, a democracia implica a partilha de
horizontes comuns de significação. A concepção de
identidade dos comunitaristas atribui um peso essencial aos horizontes
de significação do grupo e da comunidade. Esta afirmação
não merece ser tomada de um modo idêntico em relação a todas
as propostas comunitaristas certamente desiguais quanto se refiram a um
McIntyre ou a um Charles Taylor (1989). Porém, genericamente o
exercício da cidadania para as teses comunitaristas é caracterizado
pelo exercício das liberdades positivas e pela prossecução de
uma certa ideia de bem comum. Desta forma, revitalizar-se um
entendimento projectivo da concepção de cidadania baseada na
Vontade Geral ou no Bem Comum e que se traduziria no reforço dos
mecanismos de participação.
O projecto deliberativo de democracia foi, finalmente, uma das
alternativas à concepção liberal e comunitária que recebeu
uma dose elevada de atenção em diversos contextos, fora e dentro
da discussão acerca das possibilidades entreabertas pelas novas
tecnologias da informação. Numa concepção processualista
empreendida por alguns dos adeptos da democracia deliberativa, a
característica principal diria respeito a uma abordagem da democracia
atenta à questão da legitimidade pública das decisões
políticas mas não menos atenta à eficácia e governabilidade das
decisões empreendidas pelo sistema político. Segundo este ponto de
vista, a concepção comunitarista seria demasiado idealista e
contrafactual uma vez que tornaria o processo democrático depende das
virtudes dos cidadãos devotadas ao bem público. Quanto à
abordagem liberal padeceria do défice de legitimidade de tomadas de
decisões maioritariamente elitistas, na medida em que nem se chega a
equacionar, pelo menos em toda a sua extensão, a dimensão
ético-politica da própria legitimidade.
O empreendimento teórico deliberativo dedicou-se à superação
de um paradigma redutor centrado numa concepção puramente formal
de democracia onde as esferas associativas, culturais, legais e
públicas não dispõem de espaço para se constituírem como
instância crítica e reflexiva.
Estabeleceu um modelo de
análise onde os problemas do pluralismo e da legitimidade ganham, de
novo, um lugar central. A concepção deliberativa, nas suas
diversas formulações mais recentes, terá procedido à
formulação de uma síntese eclética de diversos elementos que
dizem respeito à história do conceito, nomeadamente a
enfatização liberal dos direitos individuais, o relevo conferido
por Tocqueville (1992) à pluralidade de associações e
intermediações e o realce conferido por Habermas (1982; 1996),
Hannah Arendt (1986) e pelos comunitaristas à defesa da esfera
pública e da participação dos cidadãos. Com o recurso à
interdisciplinaridade integrou as abordagens da sociologia crítica e
da sociologia dos movimentos sociais, integrando na concepção
normativa, democrática e deliberativa, os elementos e os meios
relativos à apresentação de pretensões conflituais de
legitimidade por parte dos grupos de cidadãos. Esta postura conduz a
aceitar que a democracia integre dentro da imagem que constrói de si
aquilo a que Shapiro chama de
ethos de oposição e
portanto como um meio para gerir as relações de poder
intrínsecas a qualquer sociedade de uma forma que minimize a
dominação (Shapiro, 2003:3). De acordo com este ponto de vista,
uma democracia forte tem de proporcionar a oportunidade para a
participação dos cidadãos em todas as decisões que dizem
respeito a temas que são importantes para eles e os impliquem. Em
termos práticos esta opção representa um equilíbrio entre
participação e representatividade. Porém, implicou, sobretudo,
o recurso a dois pressupostos em que se baseia o seu entendimento:
a) A democracia é deliberativa porque também dá igualmente
atenção aos mecanismos informais de deliberação e à
participação política de públicos que se reconhecem como
dotados de capacidade de influência desigual;
b) A democracia é processualista porque
- Implica a referência ético-política a uma norma que prescreve
o processo válido para fundar e justificar o diálogo colectivo
Esta norma remete para a referência à igualdade e
universalidade de acesso por parte dos interessados no debate, à
reflexividade sobre o conteúdo do discurso produzido e para a
reciprocidade de expectativas por parte dos mesmos;
- Trata-se, enfim, de uma concepção processualista porque
existe uma protecção no plano jurídico-constitucional e no
plano administrativo que implica a recepção destes pressupostos e
a sua protecção. Assim, o Direito perde o seu carácter de medium exclusivamente sistémico, assegurando, de modo
institucional, a relação da política com uma ordem moral.
A vantagem da democracia deliberativa sob o ponto de vista teórico
afirma-se numa ideia central: apesar da importância que as
relações comunitárias têm para uma parte considerável dos
autores da democracia deliberativa (tenha-se em mente a
concepção de identidade presente em Habermas e a sua larga
coincidência com a concepção de identidade de um Charles
Taylor), não é necessário defender que as relações
comunitárias são,
per se, moralmente superiores. Apenas se
defende que certos contornos das estruturas comunitárias podem ser
benéficas por permitirem sentir a experiência da multiplicidade de
raízes e contribuírem, consequentemente, para a reserva de capital
social.
As concepções de democracia e a o milagre digital
Os resultados do milagre previsto pelos Cyber-libertários variam
consoante a proveniência teórica dos que promovem a
implantação da prótese cibercultural no corpo exangue da
democracia.
No plano liberal, a utilização da Internet traduzir-se-ia,
logo, em formas de facilitação dos mecanismos representativos:
além do voto electrónico, generalizar-se-iam procedimentos
administrativos de natureza democrática que garantiria a
ultrapassagem de algumas das patologias que decorreriam de uma
representatividade imperfeita. Do ponto de vista da intervenção
da rede e dos mecanismos digitais, a abordagem liberal considera que o
uso da rede pelos cidadãos se traduz na importância atribuída aos
indivíduos.
Ao invés, a perspectiva comunitaristas fortalece a criação de
espaços associativos de natureza digital cuja descrição mais
conhecida é o exemplo memorável da comunidade Well apresentada por
Howard Rheingold.
Os trabalhos efectuados até ao momento não descobriram evidência
empírica que permitisse suportar qualquer das suposições
apresentadas sejam por liberais e comunitaristas (Bimber, 2003). Ao
invés, alguns autores sustentam que há evidência empírica na
demonstração de que o modelo deliberativo da democracia é o que
surge mais adequada ao uso das novas tecnologias da informação e
da comunicação, especialmente às suas capacidades para
potenciar o diálogo, o debate e a discussão. Pareceria claro aos
olhos de todos que os novos media e a Internet ofereciam múltiplas
oportunidades de partilhar ideias e opiniões, intervir e debates e
trocar pontos de vista.
Tais pesquisas assinalam a existência de um tipo de
modus
operandi resultante da Internet e que, eventualmente, parece
susceptível de poder articular-se com a esfera pública no seio de
uma democracia deliberativa. Tal
modus operandi expressa-se
num certo activismo geralmente dirigido para um único tema ou causa,
na fundamentação em movimentos de base organizados de acordo com
uma lógica comunitária, no recurso a organizações não
governamentais. Este tipo de movimentos compareceram, com efeito, na
Internet com franco sucesso mostrando grande desenvoltura para se
movimentarem e proliferarem no ambiente digital.
Acabaram mesmo por conhecerem um aprofundamento recente graças a
fenómenos como o
webjornalismo ou o jornalismo
online cívico e comunitário e os
weblogs.
Aos olhos de muitos dos seus teóricos, nomeadamente Jay Rosen e
Theodore Glasser, aparentemente poderia estar-se perante uma lógica
de identificação da função política dos
media sintomática de uma orientação comunitarista. Aliás, como
muito bem assinala Mário Mesquita (2003) existem tendências
comunitaristas no jornalismo cívico. Neste vasto movimento centrado
em volta de personalidades como David Merrit e de instituições
como o
Pew Institute for civic journalism, o
Poynter
Instititute for media studies e o Departamento de Jornalismo da
Universidade de Nova Iorque houve variadíssimos traços e
inflexões de natureza comunitarista. Porém, a invocação de
John Dewey ou até de Rorty como titulares ou inspiradores de alguns
destes movimentos revela que este comunitarismo cívico não deve ser
todo olhado por igual, verificando-se até que o apelo à
participação política desenvolvida nalguns destes sectores é
bem consentânea com as tendências cosmopolitas e modernas de um
Charles Taylor do que com a crítica cerrada ao Iluminismo empreendida
por Alasdair McIntyre (Jay Rosen, 2003: 33). O comunitarismo moderado
de que falamos não implica a recusa dos direitos humanos
universalmente conhecidos, os quais aliás seriam mesmo o critério
de legitimidade e o limite para o reconhecimento dos direitos culturais
das minorias (Mesquita, 2003). Nesse sentido, os defensores da
democracia deliberativa não diriam de modo diferente. Por outro lado,
algumas das instituições reconhecidas como comunitárias assumem
explicitamente que têm um objectivo: perceber como é que o
público pode funcionar como um órgão deliberativo (Rosen, 2003:
41). Finalmente, alguns reconhecem no jornalismo cívica a
influência de fontes diversas ao lado dos comunitaristas: Dewey, a
Teoria da Responsabilidade Social, Habermas e Hannah Arendt.
Finalmente, há uma razão adicional: estas últimas tendências
acabam por não concretizar o despertar para a vida cívica tal como
ele é pensado no comunitarismo, isto é a reactivação da
cidadania em torno de ideias mobilizadoras do bem comum. Muito do que
é feito no
webjornalismo cívico e comunitário não
suscita empenhamento político mas antes uma monitorização mais
apurada sobre o ambiente politico. Para além dos pressupostos
teóricos, a prática de muitas formas comunicacionais de
intervenção cívica ditas como Jornalismo Público revelou uma
considerável sintonia de preocupações e de metodologias com os
fóruns, os quais claramente têm traços típicos de mecanismos
especialmente compatíveis com a democracia deliberativa.
Esta sintonia intelectual do autor com alguns dos contornos deste modelo
implica que confiramos à democracia deliberativa na sua
articulação com as Tecnologias de Informação, a
centralidade da parte final deste ensaio.
As concepções deliberativas sobre suspeita
Um dos problemas maiores das concepções deliberativas de
democracia é o facto de, nalgumas das suas versões mais
voluntaristas, conterem algumas assunções pouco realistas acerca
das motivações pessoais para se empenharem de modo activo e
sistemático na discussão e deliberação políticas.
O cidadão médio não tem vontade para acarretar o custo associado
à deliberação política. Por outro lado, quando o cidadão
dispõe desta vontade não dispõe de meios e de oportunidades, por
um conjunto de factores. Entre estes factores intervêm desde o efeito
de agenda produzido por todo um conjunto de especialistas,
designadamente os jornalistas dos grandes órgãos de
informação e os assessores das agências de comunicação.
Finalmente, a questão do funcionamento da democracia deliberativa
não diria apenas respeito aos meios e oportunidades de acesso.
Implicaria também a qualidade dos recursos comunicativos
disponíveis. Se como alerta Wilson Gomes, os requisitos disserem
respeito a uma discussão pública que satisfaça os requisitos de
autenticidade (entendida como imunidade a formas externas de
coacção), razoabilidade argumentativa, efectividade entendida
como possibilidade de produção de efeitos na esfera pública, a
questão torna-se mais delicada. A escassez de arenas de debate e a
inexistência de uma rede densa de oportunidades de deliberação
acumulam-se com carências de natureza cognitiva relacionadas com a
informação e o conhecimento; de natureza cultural relacionadas
com a cultura política e com a incapacidade crítica de lidar com
impressões, crenças e valorações e representações do
imaginário socialmente disseminadas e condições de natureza
instrumental, referidas aos meios e modos.
Apesar de tudo é legitimo considerar que alguns conceitos entretanto
formulados por Arato e Cohen (1995) e pelo próprio Habermas (1996)
parecem ter superado algumas destas questões.
Desde já, as ideias propaladas por Habermas em a
Mudança
Estrutural da Esfera Pública (1982) ou, até, algumas
formulações inspiradas em Marx (1963) ou em Hannah Arendt (1986)
evoluíram para a concepção de uma utopia auto-regulada Com
efeito, um sistema plenamente democrático deve incluir o controlo
final da agenda pelo povo. Porém, compreendeu-se finalmente que
esta concepção, não implica que o povo tenha de estar
necessariamente envolvido em cada decisão sobre a agenda, mas apenas
e só que ele tenha uma oportunidade de controlo final sobre a
agenda se considerar isso necessário.
Esta concepção de um reformismo deliberativo e de uma utopia
auto-regulada segue dois argumentos fundamentais:
O primeiro de natureza substancial implica uma certa
auto-limitação que surge do reconhecimento do facto de que
muitos dos caminhos percorridos pelas formas de
auto-organização específicas de períodos revolucionários
(sovietes, concelhos, etc.) conduziram a formas extremas de
autoritarismo. A crítica a determinadas fórmulas de modernidade
centralizadora significou uma recusa das utopias centralizadoras e
totalizantes, as mais das vezes motivadas pelo desejo de fazer tábua
rasa da racionalidade económica e das liberdades ditas formais
(Morató, 1996: 71). Na actual conceitualização de Habermas
(1996) e no modelo de Cohen e de Arato (1995), os movimentos da
sociedade civil permanecem contidos numa estratégia que visa não a
ruptura mas, antes, o equilíbrio entre a lógica dos sistemas
burocráticos e mercantis e a lógica integradora das relações
simbólicas e culturais. Os projectos totalitários podem conduzir,
facilmente, à falência da economia, à supressão do pluralismo
político e social e ao colapso e burocratização do Estado. Os
modelos de recuperação da cidadania democrática prendem-se
sobretudo com a geração de influência mediante o associativismo
democrático e a discussão na esfera pública.
O segundo argumento diz respeito à governabilidade. O modelo
deliberativo pode por vezes ser acusado de sacrificar a eficácia na
tomada de decisões, pelo facto de exacerbar o desacordo político e
provocar a instabilidade. Esta problemática no fundo reflecte o velho
tema do equilíbrio possível entre governabilidade e
participação. A filosofia política dos teóricos da
deliberação tem procurado conduzir esta discussão para um campo
razoavelmente satisfatório que evite o triunfo de uma lógica
sistémica unilateral ou, ao invés da idealização do mundo da
vida e da sociedade civil. Porém, não são apenas razões de
natureza político - moral que devem conduzir-nos na pesquisa
sobre a validade deste argumento. Os trabalhos de Cass Sunstein parecem
demonstrar grupos opinativamente homogéneos, na ausência de debate,
revelam-se instáveis e tendentes a seguir o ponto de vista mas
definido e, muitas das vezes, o mais extermo de entre os pontos de
vista apresentados. Logo, a instabilidade surge sobretudo na ausência
de deliberação crítica, isto é, quando a deliberação
é feita entre pessoas que tem uma excessiva conformidade de
posições (Sunstein, apud Talisse, 2005: 195).
Finalmente, sob o ponto de vista filosófico, importa pensar um pouco
melhor sobre o carácter alegadamente auto-evidente que é
atribuído às acusações de idealismo que perseguem as
concepções de democracia mais comprometidas com a
intervenção informal dos públicos. O carácter contrafactual e
normativo das normas que regulam a deliberação pública têm
uma componente presuntiva que implica aos agentes procederem como se
todos admitissem que sua concretização fosse possível e
desejável, ao nível da acção quotidiana. Entre factos e
normas, a tensão em direcção a um determinado ideal implica uma
afecção que é acusada por alguns como idealista ou
voluntarista, quando não uma ficção ideológica. Alguns dos
principais autores que sustentam esta via desde sempre assinalaram as
promessas do Iluminismo à luz de uma tensão entre a crítica da
ideologia e o reconhecimento do seu potencial crítico (Jones, 2000).
Mesmo que se conceda que a imagem de uma situação ideal de
diálogo é apenas uma imagem e que as pretensões de validade
relativas à justiça, razoabilidade, honestidade, verdade e
sinceridade sejam meros
slogans ao serviço de objectivos
de
marketing, teríamos de concluir que a capacidade efectiva
de tais
slogans resulta do facto de os cidadãos e as
comunidades compartilharem da importância das pretensões de
validade citadas e das normas que as protegem. Com efeito, os
cidadãos pretendem que as suas opiniões sejam vistas como baseadas
em razões e em argumentos mais do que em simples preferências.
Logo, não é claro que as pessoas partilhem de um cinismo
idêntico. Em suma, a auto-imagem deliberativa pode ser um aparelho
meramente ideológico, estratégico ou retórico mas a sua
eficácia indicia que a imagem construída de si pelos que têm uma
visão deliberativa da democracia ecoa positivamente nas pessoas
(Talisse, 2005).
As limitações da articulação entre o modelo deliberativo e as TIC
Finalmente, aparecem as críticas que remetem para uma tentativa de
minimizar ou até interditar o contributo das tecnologias da
informação para o modelo deliberativo da democracia.
Desde logo, os cidadãos não levam em conta as oportunidades para se
tornarem envolvidos na política seja a título individual seja a
título comunitário. Pelo contrário, os cidadãos apoiam de forma
algo distante actividades de monitorização empreendidas por
portais cívicos, organizações activistas, organizações
não governamentais e jornalistas criticamente empenhados. Assumem que
estes farão por avisá-los acerca do desenvolvimento de decisões
e políticas que possam afectar as suas vidas. A evidência
empírica, obtida pelos estudos que sustentam estes resultados, tem a
sua explicação na economia dos custos de informação. Na
verdade, "os efeitos esperados da expansão da comunicação
são limitados pela falta de vontade e de capacidade dos humanos para
se comprometerem numa vida pública complexa " (Bimber, 2003, p. 3).
Não se verifica uma relação de causa e de efeito entre a
informação e a participação política. Antes pelo
contrário, estes estudos parecem demonstrar que a estrutura cognitiva
do cidadão limita a vontade e a capacidade para assimilar a
informação de um modo sistemático. De uma forma simples, "há
demasiados assuntos, demasiadas decisões, demasiada complexidade,
para esperar que os cidadãos se informem a si próprios e chamem a
si um pouco da responsabilidade de avaliar concretamente os problemas
sem a intervenção de uma vasta elaborada infra-estrutura humana
de processadores de informação que funcionam efectivamente como
gatekeepers, mediadores e decisores (Bimber, 2003 p. 8).
As reservas igualmente colocadas por um autor relativamente próximo do
modelo deliberativo de democracia (Wilson Gomes) são merecedoras de
respeito e de atenção. Segundo este autor, foram as figuras
institucionais e não os fóruns informais de deliberação quem
aproveitaram as
ciberfacilidades da produção de
informação a um baixo custo. Candidatos, instituições e
agentes do Estado e dos seus poderes foram os primeiros, os mais
eficazes e os mais vorazes na compreensão e na utilização das
TICs.
Em segundo lugar, a dispensa do deslocamento espacial, do
comprometimento desconfortável, a própria libertação das
cansativas, incómodas e trabalhosas assembleias e fóruns levados a
efeito na vida real, a conveniência de fazer as coisas no próprio
ritmo e segundo as próprias disponibilidades, prescindindo dos
requisitos formais das instituições e da convivência
forçada com estranhos, adequa-se à sociabilidade dominante numa
cultura individualista e flexível. Esta adequação parece
pensada para uma esfera civil que não mais se pensa prioritariamente
como pública mas como uma nebulosa de interesses difusos e de
laços esporádicos e mutáveis. Algo demasiadamente frágil e
esporádico para poder responder às exigências racionais de uma
esfera pública e se articula melhor com as pálidas esferículas
de Gitlin.
Um terceiro tipo de problema diz respeito ao tipo de informação
política que temos hoje na rede. Graças às fusões entre
motores de busca e grupos noticiosos, a maior parte da informação
de actualidade inserida pelas indústrias da informação padece
daqueles limites que vêm sendo apontados desde há várias
décadas na literatura sobre jornalismo e democracia. Tal como na
indústria mediática, a maior parte da informação política
terá afinal como fonte indivíduos privados com interesse
político.
Finalmente, outro dos problemas diz respeito ao conceito de
inclusão. Uma autêntica
experiência de democracia depende basicamente de uma paridade
fundamental dentre os cidadãos.
Outro problema estrutural que merece ser tido em conta, reside no
argumento, notoriamente válido, segundo a qual a comunicação
electrónica, mais do que criar os elementos de natureza sociológica
que tornam possível a exigente deliberação de raiz kantiana,
isolou cada vez mais os cidadãos que anteriormente interagiam em
fóruns. Mais do que um simples agregado de audiências, a esfera
pública cosmopolita implica circunstâncias que favoreçam a
responsabilidade mútua e a construção de uma cultura política
comum. Uma das razões que torna a Internet atraente aos olhos de
muitos será o seu cosmopolitismo e desenraizamento, a sua capacidade
em atravessar fronteiras. Porém, ao mesmo tempo, a marca ideológica
proveniente de narrativas identitárias continua a moldar muitas
formas de militância que se verificam no chamado Cyber-espaço.
Neste sentido, a rede será, mais do que uma evidente prova de
potencialidades cosmopolitas, uma metáfora das tensões entre
universal e particular, global e individual que se manifestam na
globalização. Pode-se mesmo admitir que a dinâmica das
identidades colectivas que partilham interesses comuns constituem a
maior ameaça aos modelos cosmopolitas de cooperação moral e
de cooperação política ( Brothers, 2000).
Neste sentido, o discurso crítico parece conseguir alguma
razoabilidade e marcar pontos na adopção de um discurso
relativizador das vantagens da Internet no seu entrosamento com a
democracia deliberativa. Ora, todos os discursos acerca da utilidade de
uma determinada tecnologia têm de ter em conta o que se pretende
fazer para que não se caia na desproporção entre os objectivos
e os meios. Realmente, acreditar que a introdução do computador
resolve a desigualdade no acesso ao poder constitui aquela forma de
determinismo tecnológico, tanto mais gravosa quanto não diz
respeito à explicação do passado mas à projecção do
futuro. Podemos, ao invés, seguir outra estratégia, determinado
exactamente o que se possa fazer - desde que nos bastemos com isso:
exactamente o que se pretende fazer e não mais.
Convirá por isso precisar o que se pode fazer com a rede que se
considere compatível com o que se pensa ser o aprofundamento da
cidadania no sentido deliberativo.
Em primeiro lugar, haverá que reconhecer que as Tecnologias de
Informação e de Comunicação introduzem as possibilidades de
uma visibilidade, publicidade e abertura relativamente novas. Tais
características não devem ter como padrão de referência a plena
abertura do espaço público mas devem recolher a mudança nas
suas configurações. Elas devem ter especialmente em conta o
progresso que introduziram em relação à situação
efectivamente existente e não em função de uma longínqua
promessa utópica. Nesse sentido, as promessas do
self
publishing, e a iniciativas de cidadãos são elementos dificilmente
contornáveis.
Sem que se pretenda praticar uma espécie de minimalismo estratégico
não parece desavisado o acordo em torno da ideia de que a
responsabilização das instituições não depende apenas de
uma inspecção efectiva mas da expectativa fundada de que esta
inspecção possa ser realizada. Quando as instituições e os
seus servidores sabem que os cidadãos podem ser informados e que
podem exigir-lhes a prestação de contas no futuro com base na
informação que se encontra disponível, tornam-se socialmente
mais responsáveis.
Neste domínio, a comunicação política tem de dar uma
atenção nova aos elementos novos resultantes da introdução
da tecnologia. Os mediadores estão envolvidos no estabelecimento da
agenda e na chamada de atenção pública para as questões
relevantes, ou seja no agendamento e na tematização. Porém,
este tipo de fenómenos ocorre num ambiente complexo de raízes
ideológicas e culturais cada vez mais e mais instáveis. Assim, o
impacto da Internet aumenta a responsabilidade do governo perante o
público, sem que tal signifique uma mudança dramática no
compromisso cívico nem na participação no processo de
deliberação política. A luta pelo agendamento, a luta pela
hegemonia torna elementos fundamentais. Se vale a pena considerar como
válida a hipótese do fluxo em duas etapas defendida nos anos 40 a
propósito dos estudos de Erie County (1940), Elmira (1948)e Decatur
(1955), chamando a atenção para as predisposições das
audiências, acrescentaríamos que vale a pena ter em conta mais dois
elementos que faltavam na tese de Katz e de Lazarsfeld: a) as
predisposições das audiências também são mediaticamente
condicionadas; e uma parte significativa dos líderes de opinião
exercem a sua liderança através dos
media. Os mediadores
que gerem a informação na Net chamando a atenção para o que
vale a pena conhecer são o melhor exemplo deste facto. A
proliferação de
self media e o acesso fácil a canais
de informação alternativa dificultam o monopólio da agenda
pública pelo menos em situações de crise: o recurso à
Internet para desencadear movimentos de opinião alternativos em volta
de temas ocultos da agenda colhe muitos exemplos bem actuais. Muitas
destas possibilidades, nalguns dos seus usos múltiplos, nem sempre
virtuosos, poderão passar pela atribuição de relevância a
temas geralmente ocultos, alterando a função de agendamento
graças ao impacto produzido junto dos próprios
media de
massa. Assim, uma parte substancial dos temas sociais da agenda
publica, (a sensibilização para questões ambientais, novos
direitos sociais, etc.), dificilmente ganhariam relevância sem as
estruturas comunicativas que competissem pela influência com outras
organizações comunicacionais que se encontram melhor colocadas no
centro da esfera pública. Neste sentido, é a própria Teoria dos
Efeitos que merece ser reavaliada, sobretudo tendo em conta novas
configurações da esfera pública e do sistema de
comunicação política: fronteiras entre instâncias sociais que
se alteram, pois temas julgados minoritários conquistam rapidamente o
centro; alterações mais bruscas do que o habitual no que respeita
ao protagonismo e à capacidade de influenciar; mecanismos de
agendamento mais fluidos e mais dificilmente controláveis;
relações mais rápidos e também menos fiáveis com as
fontes.
Em segundo lugar, a utilização de bases de dados permite até
certo ponto uma visão mais dinâmica da sociedade política e das
suas mensagens, tornando possível ao cidadão uma avaliação
mais rigorosa da vida política e da esfera pública. Basta para
tanto pensar que as redes de computadores não se limitam a ter o
registo da actualidade editada pelo campo do jornalismo, mas também
toda a espécie de registro de fatos e actos políticos do passado.
Em terceiro lugar urge ponderar de forma nova a problemática da
economia da atenção, um bem cada vez mais escasso. Há que
considerar se a oferta de informação política corresponder a
existência de um real e significativo interesse político na esfera
civil. Há informação política disponível, mas há um
interesse significativo do utilizador. Mais importante ainda, há que
saber se essa informação se traduz em algo de novo politicamente
falando. Em Portugal, os números do Eurobarómetro indiciam que os
portugueses não têm uma apetência menor do que os restantes
Europeus pela Política. Segundo números (citados por António
Rosas na Tese de Mestrado Comunicação e Partidos Políticos
apresentada en Fevereiro de 2006 na Faculdade de Letras da Universidade
do Porto), os utilizadores domésticos que consultaram
sites políticos a partir de casa entre 1 de Abril e 31 de Maio de 2000,
apresenta um valor percentual que não diverge da média dos outros
países da União Europeia. Os utilizadores portugueses contavam-se
entre os europeus mais interessados em ler artigos de
websites do seu país, ficando acima da média europeia. Tudo isto se
verificava porém num contexto em que o processo de massificação
da Internet em Portugal não atingia os patamares mínimos desejados
pela União Europeia. Os dados do Eurobarómetro indicavam que
Portugal não era dos menos interessados na participação
política na Internet mas em contrapartida, eram os que revelavam
maior desprezo pelos partidos políticos, sendo o Governo a
instituição em que os portugueses menos confiam a seguir aqueles.
Ora, não é totalmente imprudente deduzir que esta realidade
corresponda a uma vocação da Comunicação Política da Net.
A experiência dinamarquesa diz-nos que as aldeias electrónicas
conheceram um relativo declínio no uso de fóruns e
tele-serviços. Porém, como acentua Brian Loader este declínio
não se verificou ou verificou-se menos nos casos em que a
acção comunitária activa e não a imposição de
directivas verticais acompanharam o lançamento das infraestruturas
informáticas e digitais. Assim o lançamento de novas
infraestruturas comunicacionais funcionou tanto melhor onde os
objectivos foram fixados com as populações de acordo com
elementos democráticos de recolha das suas opiniões, através da
aprendizagem colectiva dos usos a implementar e sobretudo com o
convencimento partilhado de que esta era uma realidade a ter em conta
no quotidiano e não apenas uma experiência esporádica.
Por outro lado, reforçando esta tendência os fóruns
informáticos de natureza temática centrados em assuntos locais
tornaram-se crescentemente populares, como mecanismos que
reforçam a democracia, mas com clara preferência por um certo
estilo de participação. Embora esses fóruns variem enormemente
em tópico e formato eles partilham determinadas características
comuns: patrocínio ou apoio por parte de media locais debaixo da
rubrica de jornalismo cívico ou público; constituem uma
oportunidade para os cidadãos médios para se encontrarem e
discutirem assuntos públicos e apresentarem e soluções;
conhecem uma repercussão que chega à esfera pública através de
outros media. Ou seja, eles são sensores hábeis para um conjunto de
temas que são mais facilmente emergentes na periferia civilista
(McLeod, Scheufele, Moy, 1999).
A mobilização não terá o mesmo sentido frequentemente
atribuído a situações de natureza mais formal. Porém, não
deixa de pode ser coberta por uma noção mais concreta de
exercício da cidadania. Curiosamente, estas considerações não
são muito diferentes daqueles que os teóricos latinos americanos da
comunicação pelo desenvolvimento constaram na América Latina ou
em África com a implantação de rádios comunitárias. À
Internet não cabe, pois, formular promessas de transformação da
democracia. Apesar da luminosidade e pertinência de muitas
formulações de McLuhan, ficaríamos no escuro se nos
remetêssemos à substituição da política pela tecnologia.
Mais do que nunca, nos caberia admitir que mais uma vez caíramos no
cyber-fetichismo.
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